Não
saberia dizer o que foi feito de mim. De repente, despedacei-me em muitas e
vi-me em grande quantidade, uma multidão, miríade de formas sem essência. Pura
ausência, embriagada em nostalgia de uma jornada bruta que me arremessou para
cima de um monte e me levou ao longe, distante de mim.
Eis então
que não me vi, me perdi. Quando pude perceber já era outra, qualquer que visse,
me chamaria de louca. Abstração. Sensação. Simples percepção do Ser. Atitudes
belas tomavam-me toda. A Natureza falava-me inteira. Terra, Fogo, Água, Ar,
Éter. Elementos todos que me compunham toda e eu nua, despida, transvestida de
gente, sem ser essa gente comum. Mutação.
O coração
dilatava-se em aceleradas pancadas sem ritmo algum. Sentido: nenhum. O físico
não mais pertencia ao corpo esvaido de lá. Sem forma. O que havia era Amor em
estado de fluxo. Êxtase, êxtase, êxtase... A Beleza Universal imprimia seu
ritmo em notas agudas. E o fio do Amor que transcorria por aquele Ser
transbordava palavras em papéis antes virgens e ateus. Jorravam poesias
inebriadas do néctar do Amor mais puro.
Porém, à
medida que o papel era preenchido, voltava-se o Si ao ser pequeno, na
inexorável condição humana e solitária de todo um.
Regresso
tortuoso e concreto. O contato do suor de minhas mãos por cima de minhas coxas
lembraram-me da vó velha e gorda por parte de mãe que me obrigava a sentar em
seu colo todos os fins de tarde. Pensamentos, pensamentos, pensamentos. O eu
instalava-se e a mente me reconhecia como um ser, sendo. Ainda que vazia, eu era.
E sua lembrança me doia.