sexta-feira, 30 de setembro de 2011

Muro


O concreto divide, separa. Por detrás do muro não sabemos o que há e não nos é permitido saber, se assim não quisermos. No início o muro era só um muro, branco. Mas com o tempo foi-se denegrindo até tornar-se quase negro, de tanta sujeira. Já não se vê mais a substância original do muro, do que é feito. Só resíduos de sua podridão pérfida.
Ao passar pelo muro temos ânsia de vomito, tamanho é o seu estado deplorável. No entanto dele nos aproximamos, e com freqüência. Porque nos motiva saber o que há por detrás do muro. Essa é a nossa busca primordial. Todos os dias acordamos e tomamos banho, nos vestimos, tomamos café da manhã, fumamos um cigarro, escovamos os dentes e saímos a rua com o objetivo único e certeiro de ver o muro e de desvendar-lhe.
Porém o nosso intento resta sempre desiludido. Os cachorros do outro lado latem e mesmo com muita persistência, não permanecemos lá por mais do que 10 minutos. O tempo suficiente para se colocar uma escada e desistir de escalá-la, por medo.
Aliás, o medo é o que mais nos domina nos dias em que vemos o muro. Ou seja, todos os dias de nossa existência. Ele nos impede de agir. E o medo se instaura eis que o muro nos representa o desconhecido, o misterioso, o insondável que trazemos em nós. O muro vive em nós. Muito embora exista o muro exterior, e dele vemos aos montes nas cidades afora, os mais assustadores são os muros que vivem por dentro, por dentro de nós. A esses não damos nomes, pois não conhecemos. Mas é preciso que se saiba que eles existem.

quinta-feira, 29 de setembro de 2011

Por que?


Não quero piedade
Afagos
Sutilezas
Quero a vida inteira
Para vivê-la
plena

Hoje me vi sozinha
Em meu casulo, me fecho
E assim é
Porque em certa medida não existo
Resisto

Um vazio é meu primordial
Companheiro
E solidão bate
Nesse espaço abissal
Entre eu e você

Tão longe, tão distante
De mim, do outro
De tudo e de todos
Mas eu não me perdi
Foi você quem quis partir

Me encontro
Nesse silencio solitário
De ser eu mesma
Invisível ser de todos
E de ninguém
Feita de pó
E poesia
Assim

Feita de espaço e pedra
poeira
pra mim

Por que ninguém me vê?
Por que você partiu?
Há que tudo ser tão difícil?
E triste?
E solitário?
Estranho é dilatar-me por entre os sentimentos
e sentir nada senão você

Tua voz é tão exata que pareço não esquecer-te
jamais
e na lembrança
divago
sozinha
e fecho-me em meu interior
aberto, calado
amargo

por que ?

quarta-feira, 28 de setembro de 2011

Fica


Sinto tua ausência antecipada
Dilatada
E as horas não passam
Só, a noite me faz companhia
E acordada
Sou uma em busca de mim
Silêncio
Nele encontro-me sozinha,
Vazia
Cadê você que se foi para longe?
E aqui me largou, desfeita, acabada, abandonada?
Por que não me escuta e fica?
Fica...

Sinto-me só
Abandonada
Sinto tua ausência em mim
Dilatada

Traiu-me
Sim
Tu me traíste
E tua presença,
 quero-a perto
E tenho-a ausente


O que será de minha alma quando partires?
E o que será do dia da despedida?
Mal posso encará-lo e sua mera lembrança me desespera
E cega
O que farei de meus dias sem que tenha teus olhos a ver-me?
E tuas palavras a confrontar-me comigo?
Sinto tua ausência antecipada
E ela é longa
Pois antes de ires
Já sinto que foste
E quando fores
Sentirei que não voltarás
E longuíssima, intensa
Será a espera
Crua e nua espera do não olhar, nem escutar
Quem para mim é
Fica?

segunda-feira, 26 de setembro de 2011

Yasmim

Entrei por uma porta e lá encontrei Yasmim. Ela vestia um vestido leve, de cetim
Era bela como a avó
E sorria feito a mãe
Yasmim tinha medo escuro então dormia de luzes acesas
E fazia xixi na cama todas as noites o que significava tabefes todas as manhãs.
Na escola Yasmim era zoada até pelo professor. Não tinha um amigo sequer. Por isso, Yasmim aprendeu a brincar com seus amigos imaginários: cloé, utre, klikó, pingo, plita, entre outros.
Eles jogavam bola, assistiam desenho animado, tomavam sorvete, brincavam de boneca, faziam tudo junto.
À eles Yasmim confessava seus segredos mais íntimos: tenho medo de gente. E eles achavam que ela tinha razão. Tenho medo do escuro porque nele o pior tipo de gente pode aparecer e me levar daqui. Eles concordavam com Yasmim, e não queriam ficar sem ela.
E nesse acordo entre gente e imaginação foi que Yasmim cresceu.
Quando indaguei o que ela fazia ali, dentro daquela porta, ela me respondeu procuro meu coelho, ele se perdeu.
Nunca mais soube o que foi de Yasmim ou de seu coelho, mas lembrar dela me dá saudades.... Saudades de um tempo em que a única missão era ser criança. Em que o mundo era pleno de fantasias e que tudo valia, dependia só, da imaginação.

domingo, 25 de setembro de 2011

Amigas


As coisas se acalmam...
Eis que chega o momento em que a cabeça se ocupa, o corpo cansa e não há tempo para angustiar-se.
É como chegar à praia num por do sol e ver-te saindo do mar. Molhada, sorridente, quieta.
Então sentamos na areia, lado a lado e nada falamos.
Estar ali basta.
Ver a cor laranja do céu, as pombas na beira do mar, ciscando.
Ouvir o rurfar do mar nos acalma e preenche.
Estamos a sós.
Não precisamos conversar.
As palavras empobreceriam o momento.
Estar é a riqueza do instante.
Sob a areia
Sentindo-a em nossas peles,
Estamos.
Assim, simples e puras
Tal qual um par de anjos
Nobres
Profundos conhecedores deles mesmos
Há anjos, aliás, que voam sobre nós
E junto ao som do mar
Ouvimos suas canções
Elas falam de amor
De um amor que nunca tivemos
Nem nunca teremos
Mas isso não nos importa
Nos olhamos
E sorrimos
Há esplendor e plenitude
Nada mais precisa ser dito
Somos amigas
Para sempre.

sábado, 24 de setembro de 2011

Indagação


Só sei que te desejo. Imensamente. E quando desejo, desejo mesmo. Profundamente. E isso dói. Bem dentro de mim. E é para lá que vou. Investigar o que, afinal, é esse maldito amor. O que vejo em ti é a ausência daquilo que não trago em mim? Vejo-me e olho-te no espelho. Não por querer ser-te, mas sim por amar-te, imensamente. O que são as canções de amor, senão gritos surdos de lamentação? Eis que grito agora. E busco-me na tentativa de arrancar-te de mim.
Vou em busca do mistério mais profundo chamado eu. Avanço sobre minhas qualidades, detendo-me em algumas e descartando outras, muitas. Passo pelos defeitos e desajeitada, dou um jeito de não vê-los direito.
E o que importa esse exame se afinal de contas é só o meu coração quem grita? Ver-te em tudo é estar apaixonada. O que fazer com essa paixão, eis que impossível, é a questão primordial.
Arrancá-la tal como arrancamos as flores que murcham. Seria a melhor solução. Mas não sou flor. Alimentá-la tal como alimentamos um bebê que chora. Seria a pior solução. E eu já não sou mais um bebê.
Deixá-la ser.
Mas o que isso significa?

sexta-feira, 23 de setembro de 2011

Sombras


Deparo-me com minhas sombras e dize-las seria fazer com que elas perdessem o sentido. Sombras nao se enumeram, nem se catalogam. Com as sombras convivemos e isso seria tudo nao fosse o desconforto que elas nos trazem. Um passo alem. Desespero. Eis que moram em lugar ignorado porem dentro, dentro de nos. E todo aquele esforco para ser uma pessoa melhor? Inutil. Covardia dos crentes, fraqueza dos fracos. O maximo que alcancamos eh estrutura para lidar com as adversidades. Nada mais. E o espelho nao revela nada. Olhe-se, mire-se e nada encontraras. As sombras jazem dentro de ti, no mais profundo do teu profundo. E tambem nao cabe julgamento de valor pois todos as temos. A diferenca consiste em conhece-las mais ou menos, angustiar-se, com isso, em maior ou menor medida.

Temor


Sou fragil como poh
e forte como pedra
por ti
desbravaria a montanha desconhecida
e torna-la-ia caminho facil
trilha minha
nao me tema
sou fragil como poh
e forte como pedra
por ti
faria cessar a cachoeira
e torna-la-ia torneira minha
nao me tema
sei que assusto
e que machuco
mas de ti cuidarei
com respeito e carinho
hoje e sempre

Puritana

Quem chega tudo ve porque tudo eh assim, escancarado. Em Puritana os olhos estao bem abertos e os pecados, ocultos. Nao existem santos em Puritana, soh pecadores. Misteriosos pecadores que andam de um lado ao outro buscando um caminho para ser menos, menos pecado. Apesar disso nao ha crimes nem atrocidades. Todos convivem em uma harmonia de nao se saber ser, ja sendo. Nao se reconhecem mas sao. E convivem.
Debaixo da terra, por entre suas poeiras submissas todos em Puritana submetem-se aos seus olhares. Olham-se, miram-se e reconhecem-se. Sao da mesma natureza e deslumbram-se com a mesma beleza, choram pelas mesmas tristezas e abalam-se com as mesmas dores.
Ha em Puritana significacao especial que nao vi em cidade alguma. Seus habitantes percorrem distancias em busca de distancias ainda maiores, acreditando nisso nao haver pecado algum. O que nao veem, os habitantes de Puritana, eh que seus corpos misturam-se ao corpo daquele gigante que os transporta e suas vidas, maquinizadas, estao desprovidas de sentido e ocas.
Apagados e inertes para com a vida, os habitantes de Puritana sentam-se e permanecem, olhando-se. A comunhao eh coletiva e todos rezam internamente juntos para o sagrado sentido do existir, mesmo nao existindo, de verdade. Comungam de uma vida que nao eh deles, mas de outrem, daquele Outro que os transporta.
Talvez seja este o destino de Puritana, fazer crer aos seus habitantes que todos sao santos, e talvez o sejam, em sua pureza e inocencia. Talvez nao, em sua mediocridade de nao verem-se essencialmente humanos. 

quarta-feira, 21 de setembro de 2011

Chuva minha


Eu não quero te querer
O que quero
Realmente
É entender o porquê te quero
Eu não desejo te desejar
O que desejo
Realmente
É entender o porquê te desejo

Dêem-me os motivos
Tragam-me as razões
E assim cesso eu de sofrer
Cessa minha alma de padecer
Nesse céu negro e sem vida
Que é a morte dos meus sentidos
Já fracos
Já dúbios
Já dilatados
Pelo peso de não poder
Sentir

Cerrem-se as portas do não saber ser
E abram-se as cortinas da sanidade
Deixem entrar luz pelas frestas
Já que aqui não areja vento bom

Preciso sentir qualquer coisa que seja
Chuva molhada a escorrer pela face
Faça-me mais sã, mais alerta
Desperta, sensorial
Guia-me por tuas veredas tranqüilas e molhadas
E juntas, iluminemos as alamedas floridas
Preciso de qualquer coisa que seja
Pra chamar de minha
Nem que seja tu
Chuva minha
Só minha

terça-feira, 20 de setembro de 2011

Jardim

 
Estamos na  esfera dos fenômenos
Não há certo e errado para o sentir
Quando se sente
Se sente
Apenas
E tão somente
Se sente
Como podemos nos culpar,
Por caminhos que nosso coração escolheu trilhar?
Não podemos
Simplesmente não podemos
Estamos na  esfera dos fenômenos
E nela, não há certo e errado para o sentir
Quando se sente
Se sente
Apenas
E tão somente
 
Encontro-me em um jardim florido
Há aromas por toda a parte
Orvalhos ainda jazem caídos nas flores
Tal qual na arte
Belíssimos espaços orgasticos silenciam
E expressam-se, belos
E no silêncio das flores
Escuto-me
Perdôo-me
Redenção ao sentimento mal visto e sem jeito
Ao sentimento descabido
Se fosse para ser julgado
E  o que é o julgamento senão uma opiniao dos fracos?
Senão uma opinão,
Da razão?
Tercereidade pura
Construto das palavras
Elocubração mental
Assombração
Encontro-me em um jardim florido
Lutando pela liberdade do sentir
Permitindo-me ser o que se é
E deixar ser
Sem regras ou julgamentos
Quem manda, afinal, em nosso coração?

domingo, 18 de setembro de 2011

Espinhos


Não se chega ao perfume da Rosa sem antes passar por seus espinhos
E não se chega ao perfume da Rosa em si
Mas sim ao perfume que imaginamos ter a Rosa
Assim como os espinhos não são aqueles que percebemos na Rosa
Mas sim os espinhos que trazemos dentro de nós
Deixem-me com meus espinhos
Parem com seus gritos, agora
Quero senti-los arranhando a minha pele, por dentro
E no avesso, do avesso, de mim mesma, torná-lo reais
Quero a boca, sem roupa
Para ser mais
Muito mais do que sonhei ser
Quero despir-me e desnuda
Descobrir-me sendo, alguém
Basta de bois me perseguindo na calada da noite
Basta de mudanças e mudanças sem fim
Porque a mim foi destinado o melhor dos cavalos
Ei-lo, a espera
O mais forte de todos
Boi nenhum vai me pegar
Nem de noite, nem de dia
Basta de monstros
Já disse chega
Os espinhos são o suficiente
E tal qual foice dilaceram-me no mais profundo do meu ser
Rasgam-me por dentro
Fazem-me  intermitente companhia
Há que se carregar esses espinhos
Quando se está embriagada por uma Rosa
Há que suportar seus cortes, suas feridas, seus desafetos
Há que se passar por toda espécie de medo e aflição
Percutir o coração
Como a um porão que só se enxerga com lanterna
Estou sem lanterna
Vejo-me perdida em meio a sombras e bois
Mas há um cavalo
O mais valente
E sim, ele há de me levar daqui
Para onde?
Não sei
Porque os espinhos estão dentro de mim
E ainda que bem longe
Eles estarão comigo
Há que se conhecer os espinhos quando se está embriagada por uma Rosa
Destino.
Indelével mistura de sarcasmo com ironia.

sexta-feira, 16 de setembro de 2011

O outro

A cada dia descubro uma faceta nova do meu ser. E isso me apavora. Tenho vontade de encher a cara, mas não posso. Vontade de sair gritando pela rua, puxando os poucos cabelos que tenho, mas não devo. Vontade de dançar loucamente, mas tenho vergonha. Então me resta escrever. E como diz Fernando Pessoa, "escrever é esquecer. A literatura é a maneira mais agradável de ignorar a vida". Portanto, me embriago com um pouco de escrita e esqueço que tudo passou por mim. Esqueço que estou sendo atravessada por um turbilhão de emoções as quais não sei dar nome.
Porque o pior dos mundos é você sentir e não conseguir discernir o que você, afinal de contas, está sentindo. Que nome isso tem? Como está escrito no dicionário? Inventaram um nome pra isso? Acho que não... Então o nome que fica é o de sempre: confusão emocional. Sem mais, nem menos.
A par de todo este turbilhão, decobri hoje, e o que faço é uma confissão, que preciso de alguém para viver bem. Talvez preciso escrever e publicar porque preciso ser lida. Preciso ser aceita. Preciso ser incluída. O olhar e a interpretação do outro para com o meu texo é o verdadeiro sentido e a verdadeira motivação para que este seja elaborado. Sem que o outro entre em contato com o que escrevo, não tem a menor graça. Assim sou eu na vida. Sem o outro, não tenho a menor graça em existir. ALTERIDADE. Daí o nome do blog. Preciso do olhar do outro para legitimar minha existência no mundo e mais, preciso olhar através deste outro para ver o mundo também.
E quando eu gosto deste outro, eu gosto. Com toda a intensidade possível e imaginável. Então passo a querer ter o outro dentro de mim, como parte da minha vida. Eu e o outro, um. Assim é, assim tem sido, assim será? Não sei. Quisera eu poder mudar o destino das coisas. Fixá-lo de outro modo, torná-lo mais suave, menos obsessivo. Sim, porque de certa forma tenho um comportamente quase que obsessivo para com a outra pessoa. Ela passa a ser o meu norte e desnorteada, caminho sem rumo porque ninguém é caminho de ninguém então me perco. Perdida indago os porques e não chego a conclusão alguma. Não existe o porque de nada. Aliás, causa e efeito não explica muita coisa, de fato.
Lembro que quando criança tinha medo que meus pais morressem. Muito medo. Eles não podiam ameaçar  sair a noite que eu já montava o berreiro. Mesmo assim eles saiam. E o resultado? Noites não dormidas, passadas em aflições, com um pavor aterrorizante de que, naquela noite, eles não voltariam para casa.
É mais ou menos essa a sensação que tenho hoje. Medo de que, ao não ser incluída, amada, olhada, eu deixarei de pertencer a mim mesma. Mas o estranho é que não depende do meu olhar, mas sim do olhar daquele outro que escolho como o meu herói da vez. Tenho a sensação de que vou desaparecer, sofrer, amargar no esquecimento se não for olhada, amada, incluída.
Tenho pena daquele que escolho como meu herói e raiva de mim por sentir cada milésimo dessa confusão que prefiro não adjetivar...

A Rosa


De início a Rosa não falava nada, absolutamente nada. E seu silêncio me abalava. Era como se entre nós houvesse um muro. E de fato havia. Era ela quem o colocava e eu, materializava aquele muro, de raiva. Já que não vou ter o que quero, vou me proteger de você porque você é mal e me faz sofrer. Mas mesmo com todo o desconforto que passei com o silêncio da Rosa, jamais deixei de gostar dela, nem por um instante. Há algo de misterioso que me inspira a admirá-la. Algo de muito misterioso mesmo... Algum poder no ar... Algum perfume exalado em noites secretas e estreladas. Um segredo que só a lua vê, e compreende. Quisera eu ser a lua, nesses instantes. Mas nada mais sou que eu mesma. Alguém que rega e conversa com uma Rosa. Bonita Rosa. Eis que chegou o dia em que, depois de tanto regar e conversar com a Rosa, ela finalmente abriu uma pétalazinha. Uma única pétalazinha. Pequena pétalazinha. Sim, abriu. E escutá-la falar da tonalidade de sua pétala, da vivacidade de seu mundo, da pureza e beleza de seus sentimentos, foi uma das mais belas e esplendorosas experiências que já vivi... Foi como ler a mais bela das poesias, ou escutar a mais belas das músicas de piano, foi como dormir horas a fio, sonhando sonhos bons, foi como assistir filmes de amor com o ser amado em dias de frio, debaixo das cobertas. Foi transcendental. E a pétala que a Rosa abriu exalou tanto perfume que fiquei embriagada e no dia seguinte, estava de ressaca. Ressaca emocional. Era como se um turbilhão de emoções tivesse atravessado todo o meu ser, dos pés a cabeça, mexendo com todas as minhas estruturas. Aturdida sonhei que eu já não era mais eu e então quem regaria a Rosa? Acordei aflita, a procura de um jardineiro. Quando então me dei conta de que não é o ato em si de regar que importa, mas sim a relação estabelecida enquanto se rega. Desisti do jardineiro, e, bem acordada, dei por mim que ainda estou aqui e que ainda há tempo para se regar a Rosa.

terça-feira, 13 de setembro de 2011

Gostar

Gostar é um bicho difícil. Ainda mais quando é um gostar assim, sem nome. Um gostar indefinido.
De início você projeta mil gostares e a pessoa passa a ser sua mãe, pai, amiga, amigo, namorada, namorado, irmã, irmão. Passa a ser mil sonhos que você sonha com ela sem estar dormindo. Mas então você dorme e quando sonha de verdade vem a resposta: a pessoa não é nada daquilo do que você imaginou ser. Nada. E então o que você ganha com isso é uma grande dúvida remanescente: o que é aquela pessoa de quem eu tanto gosto? Só pode ser sonho. Me acordem, joguem água fria, tentem todos os truques pois não quero continuar dormindo e sonhando esse sonho ruim... Essa dúvida a me corroer escancara o que há de pior em mim pois me imagino em mil papéis e nem todos são agradáveis. Me imagino gostando como filha e aí quero ser a filha dessa pessoa. Filha mesmo. Com todos os mimos possíveis. Ser alguém especial no coraçãozinho dela. Me imagino amiga e então quero saber todos os segredos, os mais íntimos e reveladores. Quero estar dentro da pessoa, ser seus olhos, saber ser seu olhar. Me imagino namorada e aí quero sentir o cheiro, de perto. Me imagino irmã e aí quero ser parte da família, sair para fazer compras, chorar e ler poesia junto. Tomar café e comer bolo de fubá.
Mas o que eu quero mesmo, independentemente de todos esses papéis que me representam, e assustam, é estar perto desta pessoa por admirá-la enquanto um ser humano. Por considerá-la alguém especial em minha vida e por nutrir por ela, um carinho que nutro por poucos. Mas como nem tudo é justo, a pessoa de quem vos falo é a Rosa do Pequeno Príncipe. E antes que considerem isso um delírio, já vos adianto: ela tem vida e exala Poder. Mas tem um porém: ela não fala. Nada. Então nada sei sobre ela. Apenas sei o que apreendo com os meus olhos e posso vos dizer, ela exala Beleza.
Não sei. Essa é a resposta que fico a cada indagação que faço à Rosa. Incógnita, desconforto, mal estar. Bem vinda a vida. É o máximo que posso extrair do ar. E nesse conflito é que sento e escrevo, para ver se esqueço.

domingo, 11 de setembro de 2011

Solidão

Saber-se só não basta para afugentar a sensação da solidão
É algo profundo que perfura a alma e perturba a essência
na mais obsoleta das formas
Primitivo sentimento que não se esconde, não se esvai, não some
Maldito sentimento que toma conta e não te deixa em paz
Sentir-se só não significa não ter amigos ou parceiro
Você pode estar em meio a muitos, e estar só
É algo além disso
Porque é uma solidão primitiva, arcaica
que bate quando olhamos as estrelas e nos perguntamos:
o que afinal, fazemos aqui?
Perder-se nesse sentimento gera um medo de perder-se de si, para sempre
E com isso o medo da morte
que apavora
se apodera
Sentir-se só é como estar só consigo mas ao mesmo tempo sem ninguém
terra de ninguém
porque você mesma, nesta terra, não te basta
então é como se você nem existisse
eis que o mistério da morte bate a sua porta e te indaga
e você, sem resposta, chora
Um choro que de nada adianta, que em nada alivia
É mais para colocar para fora o que engasga
e para responder as estrelas que nada sabemos, afinal
It´s just a star, I am all alone, anyway...

sexta-feira, 9 de setembro de 2011

Mundaréu


Quem chega à cidade sem lentes não vê nada senão uma escuridão pérfida que a tudo e a todos engana sem saber, nem porque, nem de onde. É uma maldade assim, barata, que reina na cidade e quando lá cheguei logo obedeci à placa que dizia: sem lentes, nem ouse. Não que tenha me esquivado da maldade, ao contrário, fui por ela contaminado até a alma, mas sobrevivi.
Lá por dentro da cidade, de quando em quando se depara com os cadáveres dos desavisados, que, sonâmbulos, esqueceram-se até de viver e assim, deixaram de.
 Nem precisa se dizer que a escuridão é o que predomina em Mundaréu. Uma escuridão obsoleta, que já deixou de ser mas ainda é. Permanece, por obra do Diabo.
A composição da cidade é simples, embora seu interior seja complexo. Complexo porque diverso. O que se vê em Mundaréu são vagões prateados que correm a velocidade do vento e pessoas, muitas pessoas. Pessoa em gênero, número e grau. São tantas e de tantas formas que em Mundaréu é impossível traçar a característica peculiar de seus habitantes.
Nesta cidade o que mais se busca é um lugar para se sentar. Da janela vê-se um muro que dá para lugar nenhum, mas mesmo assim a janela é o assento mais cobiçado. Todo o tipo de gente se mistura em busca de um lugar para sentar, e, em meio aos cadáveres dos desavisados vão tropeçando em alguns que se auto denominam vendedores ambulantes. Vendem não sei o que para não sei quem porque nunca vi ninguém se aproximar destes sujeitos. Têm outros que nada vendem, apenas pedem um não sei o que e nunca recebem, ao contrário, estes afugentam os habitantes da cidade como diabo diante da cruz.
É comum que os habitantes de Mundaréu se cansem de buscar um lugar para se sentar e então, fatigados, eis que deixam as lentes de lado e se somam aos desavisados. O difícil é distinguir, nessa cidade, quem é quem, infeliz ou afortunado porque não há uma só expressão a não ser incessante busca por um lugar. Perto da janela.

domingo, 4 de setembro de 2011

Apaixonar-se


Apaixonar-se é uma desgraça. Jã me adianto aos românticos e peço-lhes que não me venham com argumentos contrários pois hoje não estou para argumentações. Acredito firmemente que se apaixonar é a pior coisa que puderam inventar. É um desígnio maligno, dado por não sei quem, à humanidade.
E quando digo isso trago em mente o apaixonar-se sem a consequente correspondência, claro. O apaixonar-se acima de tudo e com todas as suas forças por alguém que não lhe dá a mínima. Alguém que nutre por você, um carinho de "amigo", no máximo.
Então você olha a pessoa e com este olhar vem aquele frio no estômago de arrepiar os pêlos existentes e inexistentes da pele. Você ideliza a pessoa a ponto de quere-la ao seu lado para todo o sempre. Imagina-a com você, em todos os lugares, em todos os mínimos momentos. Cada música passa a ser uma celebração desta paixão e cada pensamento é dedicado ao bem amado. Desde o primeiro do dia ao último da noite, são todos, todos, do bem amado. E com esse sentimento voraz a corroer-lhe as tripas você mal vê a hora de encontrar a pessoa, de sentir seu cheiro, escutar sua voz, prestar atenção em seus trejeitos, jeitos, avessos modos de estar na realidade, sentindo, acima de tudo.
Mas eis que o balde de água fria cai e você acorda. Tudo não passa de um grande sonho, uma bela fantasia, acesso mágico a um imaginário profundo pois na realidade o bem amado nada quer com você. Nada. E você então desliga o despertador, se levanta, joga água na cara, escova os dentes, toma um café e fumando um cigarro escreve num guardanapo: apaixonar-se é uma desgraça.