O concreto divide, separa. Por detrás do muro não sabemos o que há e não nos é permitido saber, se assim não quisermos. No início o muro era só um muro, branco. Mas com o tempo foi-se denegrindo até tornar-se quase negro, de tanta sujeira. Já não se vê mais a substância original do muro, do que é feito. Só resíduos de sua podridão pérfida.
Ao passar pelo muro temos ânsia de vomito, tamanho é o seu estado deplorável. No entanto dele nos aproximamos, e com freqüência. Porque nos motiva saber o que há por detrás do muro. Essa é a nossa busca primordial. Todos os dias acordamos e tomamos banho, nos vestimos, tomamos café da manhã, fumamos um cigarro, escovamos os dentes e saímos a rua com o objetivo único e certeiro de ver o muro e de desvendar-lhe.
Porém o nosso intento resta sempre desiludido. Os cachorros do outro lado latem e mesmo com muita persistência, não permanecemos lá por mais do que 10 minutos. O tempo suficiente para se colocar uma escada e desistir de escalá-la, por medo.
Aliás, o medo é o que mais nos domina nos dias em que vemos o muro. Ou seja, todos os dias de nossa existência. Ele nos impede de agir. E o medo se instaura eis que o muro nos representa o desconhecido, o misterioso, o insondável que trazemos em nós. O muro vive em nós. Muito embora exista o muro exterior, e dele vemos aos montes nas cidades afora, os mais assustadores são os muros que vivem por dentro, por dentro de nós. A esses não damos nomes, pois não conhecemos. Mas é preciso que se saiba que eles existem.